domingo, 14 de março de 2010

Professor Sidrack de H. Cordeiro

Sinto, neste momento uma grande dificuldade e certo constrangimento para falar sobre o meu pai, pois tenho que guardar certo comedimento e uma justa medida de expressão que, procurando ser a mais verdadeira, não se mostre muito exagerada pela condição de ser seu filho, nem menos fiel pelo receio de o ser.

Meu pai, Prof. Sidrack (de Holanda Cordeiro), faleceu no dia 11 de setembro de 2007, mas ainda me faz muita falta, principalmente nos dias de domingo como o de hoje, pois sempre almoçava com ele. Meu pai era uma pessoa dócil, super afável, única, mágica, de grande inteligência e surpreendente. Eu jamais conheci alguém como ele, meu exemplo e referencial de tudo que tenho de bom e decente. Era meu grande amigo. Aliás, amigo é a melhor palavra que define meu pai, pois nossa amizade me marcou para sempre. Sempre procurava almoçar com ele aos domingos.

Ele me ensinou a ter um grande amor pela ciência, a ousar, a ler livros e buscar por conta própria minhas respostas, meus questionamentos mais profundos. Meu pai detestava polemizar a não ser no campo da ciência e da religião. Ele era muito tímido, de temperamento bem retraído e de poucos amigos. Muito diferente do meu jeito de ser, pois faço amigos com muito maior facilidade, mas depois me arrependo de alguns, principalmente daquelas figurinhas (diminutivo mesmo) acadêmicas que aparecem através de trapaças e enganações.

Prof. Sidrack nasceu em Arcoverde, no sertão pernambucano, no dia 22 de novembro de 1924. Formou-se em Química Industrial pela Universidade de Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e em Matemática pela Universidade Católica de Pernambuco. Exerceu por muito pouco tempo a sua formação de químico industrial e desde cedo se dedicou ao ensino da física e matemática, inicialmente lecionando no secundário de colégios do Recife (Padre Félix, Salesiano e Americano Batista, entre outros) e, posteriormente, na UFPE. Quem conviveu com ele, nunca deixava de notar sua enorme inteligência e o apetite insaciável com o qual atacava de tudo, desde problemas de física e matemática até os romances clássicos e religião, passando pela astronomia, economia e filosofia.

Ele se destacou desde cedo pelo seu talento para o aprendizado. Durante a adolescência, distinguiu-se dos demais colegas pelas altas notas em matemática, e mais tarde, no decurso de sua carreira de educador, pelo autodidatismo e resolução de problemas complexos de física e matemática. Seu lado mais visível é o de uma pessoa que escrevia regularmente em jornais sobre a realidade brasileira, e se mostrava, dentre tantos observadores, o mais lúcido e o de melhor prosa. Tinha uma inteligência fascinante que crescia em múltiplas dimensões em várias áreas do conhecimento.

A tentativa de resumir em poucas linhas a atuação acadêmica do meu pai, como professor e educador, notável por sua amplitude e efeito multiplicador, é uma tarefa árdua. Além de formar inúmeras gerações de estudantes no Colégio Americano Batista e na Escola de Engenharia da UFPE, possuía uma vasta cultura em Física e Matemática. Durante 30 anos, entre 1959 e 1989, ele ensinou Física na UFPE a milhares de engenheiros. Rigoroso na conduta, ele tinha uma visão humanista da sociedade, uma natureza democrática e sempre aberta ao diálogo, à colaboração e ao entendimento. Sempre foi profundamente engajado na defesa dos direitos do homem e nas ações pela cidadania. Era presença constante no mundo intelectual de Pernambuco e no meio da física básica do País.

Prof. Sidrack tinha um talento imbatível como professor, que dominava como poucos a arte de transmitir com clareza e perfeição os conceitos da física, seja através da linguagem matemática ou de exemplos descritos na experimentação popular. A sua preocupação principal como docente era ensinar os métodos matemáticos aos alunos para que eles pudessem modelar de maneira rigorosa os problemas da física e, então, fundamentar com rigor científico as suas conclusões. Quando eu era garoto presenciei vários físicos importantes do País e do exterior freqüentarem nossa casa. Recordo-me de alguns deles: Tore Nils Olof Folmer Johnson, Dalton Gonçalves, Luiz Freire, José de Medeiros Machado, Beatriz Alvarenga e Pierre Lucie. Meu pai adorava trocar ideias com eles sobre o ensino e avanços da Física.

Tinha uma enorme paixão pelos livros e um grande conhecimento de física fundamental - que certamente o coloca na posição dos maiores conhecedores dessa área do Brasil. Admirador nato dos grandes físicos e matemáticos, ele homenageou Gauss e Dirac dando seus nomes a seus dois filhos homens. Gostava de escrever sobre ciência e religião em jornais do País afora, pois dominava com maestria ambos os assuntos. Por ser um ávido leitor nas mais diversas áreas do conhecimento, explica-se o impacto dos seus artigos publicados, nas últimas décadas, nesses jornais. Escreveu vários livros didáticos, pois seu maior interesse de vida era transmitir seus conhecimentos aos alunos.

Tinha uma preocupação máxima com o trabalho incessante e costumava sempre repetir: "trabalhe com afinco, pois a natureza não dá nada de graça a ninguém". Quando dormíamos demais, procurava nos acordar com a frase repreensiva: "Nunca o sol encontrou Rui Barbosa na cama". Ao saber que eu tinha passado no vestibular da Escola de Engenharia da UFPE (em 1970) em 3º lugar, entre mais de 1000 candidatos, me disse: "Gauss, você poderia ter sido o primeiro, se tivesse deixado de lado as festas e as namoradas". Por gostar de ir paquerar com alguns amigos, as festas dos sábados à noite (chamadas em Recife de "assustados") e os encontros de brotos do Clube Internacional eram sagrados nos fins de semana para minha turma e, muitas vezes, eu levava (no bolso) pequenos pedaços de papel com demonstrações de matemática, teoremas da física e leis da química para estudar nos intervalos das danças e no tempo livre. Os clubes Umuarama, Sargento Wolf, Cisnes, Militar e Yolanda eram os nossos "points".

Durante minha estada em Londres - onde fiz meu doutoramento entre 1979 e 1982 -, fomos visitar vários lugares e ele, sempre me impressionava, ao relatar com precisão fatos históricos desses locais relacionando-os com acontecimentos na linha do tempo da ciência.

Várias estórias permearam a vida deste grande educador, persistem na comunidade acadêmica e o tempo não apaga. Certa vez encontrou um grupo de alunos da Escola de Engenharia que queriam que ele resolvesse de imediato um problema complicado de física. Depois de alguns minutos cercado pelos alunos, perguntou a eles, sem sequer notar a posição do carro: "Eu vim de lá ou vim de cá?". Com a pronta resposta, "o senhor veio de cá", ele concluiu: "então eu já almocei".

Sem sombra de dúvidas, meu pai foi um dos maiores educadores de física do Brasil.

11 comentários:

  1. Parabéns por manter viva a memória do seu pai.

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  2. O seu tio Herbertes é uma pessoa que tambem amava muito o seu pai.
    Abraços

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  3. Gauss, certamente seu pai (como o meu) deixará por muito tempo um legado de honestidade, bondade e companheirismo.

    É extremamente triste e difícil suportar a perda de um pai, isso eu posso dizer neste momento, pois o meu se foi a tão pouco tempo.

    Abraços.

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  4. Gauss, eu fui seu aluno de cursinho (Colégio da Boa Vista) e também aluno do seu pai na UFPE no curso de Física em 1974.Nós sempre tivemos uma imensa admiração pelo prof. Sidrack. Um grande abraço! Jaime - Goiânia-Go.

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  5. Professor...
    Lando esse post sobre o seu pai da pra entender como o Sr. se tornou quem é. "quem faz história não morre."
    Abraço...
    (Karen. Medicina Veterinária - sv1)

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  6. Eu fui aluna do seu pai no curso de engenharia civil,eu adorava as aulas de fisica.Professor Sidrack ficou para sempre na vida de cada aluno.Um grande abraço.Luciana Recife

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  7. Caro senhor, com muita honra fui aluno de seu pai o Prof. Sydrack, há muitos e muitos anos, quando ele ainda lecionava Física no Colégio Padre Félix, dirigido pelo também saudoso Dr. Rodolfo Aureliano. Suas palavras me trouxeram muitas lembranças e saudades. Tenho orgulho de haver sido aluno do Prof. Sydrack e ainda hoje cito tal fato, Marcos Aurélio Pereira Jatobá

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  8. Como estudante de Eng. Civil, adorava ter que estudar física na biblioteca da UFPE, pois lá eu encontrava os diversos artigos do prof. Sidrack. Para mim era um deleite perceber como a transmissão do imaginário era prático.
    Não fui aluno do seu pai, mas o assisti uma vez no auditório do Centro de Tecnologia, transmitir informações valiosas para uma plateia sedenta de conhecimento. Aos domingos, quando ia para bater uma bola na praia, sempre o via caminhando à beira mar. Bons tempos.

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  9. Caro Gauss,
    Gostei de ler o tributo ao seu pai. Ninguém melhor do que um filho para falar sobre o pai. Onde ele estiver, certamente sentiu grande satisfação com suas palavras.
    Conheci prof Sidrack quando ingressei na UFPE, embora não tivesse tido muito contato com ele.
    Um abraço
    Paulo Gileno Cysneiros

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  10. Fui aluno de Sidrack tanto no Col. Americano Batista como na Escola de Quimica. Aprendi muito com ele. Ainda hoje faço conversão de escalas termométricas como aprendi com ele

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  11. Prof. Gauss... estou elaborando com um grupo de colegas um livro sobre os quimicos anos 60-70. Solicito a sua autorização para transcrever, citando a fonte, desse belo texto que descreve tão bem o mestre Sidrack.

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